terça-feira, 23 de junho de 2009

Poema “A Busca” de Jiddu Krishnamurti

Krishnamurti Jiddu Krishnamurti(1895-1986)

A Busca

- I -
Longamente peregrinei
Por este mundo de coisas efêmeras.
Dele conheci os passageiros deleites.
Como o belo arco-íris,
Que muito cedo em nada se desfaz
Assim, desde as origens do mundo,
Vi todas as coisas passarem -
Belas, festivas, deleitáveis.
Na busca do Eterno
Perdi-me entre as coisas finitas;
De todas provei, em busca da Verdade.
No perpassar das idades,
Conheci as delícias do mundo efêmero -
A terna mãe com seus filhos,
O arrogante e o livre,
O mendigo que erra pela face da terra,
O conforto dos ricos,
A mulher tentadora,
O belo e o feio,
O autoritário, o poderoso,
O homem importante, o benfeitor, o protetor,
O oprimido e o opressor,
O tirano e o libertador,
O homem de muitas posses,
O renunciante - o sannyasi ,
O homem prático e o sonhador,
O arrogante sacerdote de suntuosas
vestes e o humilde devoto,
O poeta, o artista, o criador.
Prostrei-me diante dos altares do mundo,
Conheci uma a uma das religiões.
Cerimônias inúmeras pratiquei,
Regalei-me das pompas do mundo,
Combatente fui, de batalhas ganhas e perdidas,
Desprezei e fui desprezado,
Passei pelas tristezas e agonias
De inúmeras desditas,
Nadei em prazeres e na opulência.
Nos secretos recantos de meu coração, exultei,
Conheci nascimentos e mortes sem conta,
Todas essas efêmeras esferas percorri,
Entre êxtases passageiros, certo de sua perenidade,
No entanto, jamais encontrei
O eterno Reino da Felicidade.
Outrora Eu te buscava -
Ó Verdade imperecível,
Ó Felicidade eterna,
Culminância de toda a Sabedoria!
No topo da montanha,
No céu constelado,
Nas sombras do terno luar,
Nos templos do homem,
Nos livros dos doutos,
Na tenra folha primaveril,
Nas águas irrequietas,
No rosto do homem,
No regato cantarolante,
Na tristeza, na dor,
Na alegria e no êxtase -
Mas não Te encontrei.
Assim como o montanhista ascende aos altos picos,
Largando a cada passo seus múltiplos fardos,
Assim também me alcei às alturas,
Abandonando as coisa transitórias.
Como o sannyasi de áureas vestes,
A buscar felicidade, com sua taça de mendicante,
Assim também renunciei.
Como o jardineiro que mata
As ervas daninhas de seu jardim,
Assim também aniquilei o ego.
Como os ventos,
Sou livre e sem entraves.
Forte e diligente como o vento
Que penetra os ocultos recantos do vale,
Rebusquei Os recessos de minha alma,
Purificando-me de todas as coisas,
Passadas e presentes.
Qual o silêncio que, de súbito,
Se estende sobre o mundo rumoroso,
Assim também, subitamente Te encontrei
No fundo do coração de todas as coisas e do meu próprio.
Sobre a trilha da montanha,
Sentado numa pedra,
A meu lado e dentro de mim Te encontrei
E, em Ti e em mim contidas, todas as coisas.
Feliz o homem que em tudo depara e encontra a Ti e a mim.
Na luz do sol poente,
A filtrar-se entre delicadas rendas de uma árvore primaveril,
Eu Te contemplei.
Nas lucilantes estrelas Te contemplei.
Na ave que passa célere
E desaparece no negror da montanha,
Te contemplei.
Tua glória despertou a glória que em mim dormia.
Tendo encontrado, ó mundo,
A Verdade, a Felicidade eterna,
Dela desejo dar.
Vem, meditemos juntos,
Juntos ponderemos e sejamos felizes,
Raciocinemos juntos e façamos surgir a Felicidade
Tendo provado
E conhecido a pleno as tristezas e dores,
Os êxtases e alegrias
Deste mundo efêmero,
Compreendo tua aflição.
A glória de uma borboleta só dura um dia,
Assim também, ó mundo, são teus deleites e prazeres.
Como as tristezas da criança,
Assim, ó mundo, são tuas tristezas e dores,
Teus prazeres, que levam a constante aflição,
Tuas desditas, que geram maiores desditas,
Incessante luta e fúteis vitórias.
Como o delicado botão,
Após padecer longo inverno,
Desabrocha e de fragrâncias o ar embalsama,
Para murchar antes de cair o sol,
Assim são tuas lutas, teus grandes feitos, e tua morte -
- Uma roda de dor e de prazer,
De nascimento e morte.
Assim como andei perdido entre as coisas transitórias,
Em busca daquela eterna Felicidade,
Assim também tu, ó mundo, estás perdido na esfera do efêmero.
Desperta e reúne tuas forças,
Olha em torno e medita.
Aquela Felicidade inacessível,
Felicidade que é a única Verdade,
Que é o fim de toda busca,
De toda indagação e dúvida,
Que liberta do nascimento e da morte,
Felicidade que é a única lei,
O único refúgio,
A fonte de todas as coisas,
Que dá perene conforto,
Essa real Felicidade, que é Iluminação,
Em ti habita.
Tendo-me fortalecido,
Desejo dar Desta Felicidade.
Tendo alcançado o desprendimento afetuoso,
Desejo dar Desta Felicidade.
Tendo alcançado a tranqüilidade apaixonada,
Desejo dar Desta Felicidade.
Tendo vencido a vida e a morte,
Desejo dar
Desta Felicidade.
Larga, ó mundo, tuas vaidades
E segue-me,
Pois sei o caminho que leva ao cume da montanha,
Sei o caminho que leva ao fim desta agitação e tormento.
Só existe
Uma Verdade,
Uma Lei
Um Refúgio,
Um Guia Para aquela eterna Felicidade.
Desperta, ergue-te,
Medita e reúne tuas forças.


II -
Assim como por uma só noite
As aves repousam numa árvore,
Assim também privei com estranhos,
Em minha longa viagem
Por muitas terras.
De cada feixe de trigo
Tirei uma espiga.
De cada dia
Tirei algum proveito.
Da árvore pesada de frutos,
Colhi o fruto maduro.
Mais velozes que a lançadeira do tecelão
São os meus dias.


- III -
Como, através de estreita janela,
Contemplamos uma única folha verde, de uma parte do vasto céu azul,
Assim também comecei a Te perceber, no começo de todas as coisas.
E, como a folha se descoloriu e murchou,
E de escura nuvem a nesga celeste se encobriu,
Assim também Tu esmaeceste e desaparecestes,
Para renascer outra vez,
Como aquela folha verde e o reduzido espaço de céu azul.
Por muitas vidas vi passar o frígido inverno e a verde primavera.
Aprisionado em minha pequena alcova,
Eu não via a árvore inteira e todo o céu,
E jurava que não existia a árvore e nem o vasto céu
- Para mim, era aquela a Verdade.
Com a ação destruidora do tempo,
Minha janela cresceu.
E contemplei então
Um ramo com muitas folhas
E uma vasta expansão do céu, com muitas nuvens.
Esqueci a folha verde solitária e aquele pequeno espaço da imensidão azul.
Jurava que não existia a árvore, nem o céu imenso
- Para mim, era aquela a Verdade.
Cansado da prisão,
Da estreita cela,
Revoltei-me contra minha janela,
Com os dedos a sangrar,
Arranquei tijolo após tijolo,
E contemplei então
A árvore inteira, seu tronco majestoso,
Seus ramos numerosos, suas miríades de folhas,
E uma imensa parte do céu.
Jurava que não existia outra árvore, nem outra parte do céu
- Era aquela a Verdade.
Aquela prisão já não me retém,
Saí a voar através da janela.
Ó amigo,
Agora contemplo todas as árvores e a vastidão do infinito.
E embora eu viva em cada folha e em cada nesga do vasto céu azul,
Embora eu viva em cada prisão a espreitar por estreitas frestas,
Sou livre.
Não! Nada mais me prenderá -
ESTA é a Verdade.


- IV -
Ó mundo,
Em toda a parte buscas a Felicidade.
Em todos os climas,
Entre todas as pessoas,
Entre os animais e entre as verdes árvores,
À margem das águas turbulentas,
Nas montanhas altaneiras,
Nos refrescantes vales
E nas terras crestadas de sol,
Sob o céu sereno e estrelado,
No esplendor do sol poente,
No frescor da madrugada -
Todas as coisas buscam essa
Felicidade.
Ainda que teus filhos cerquem seus domínios
De impenetráveis muralhas,
Vedando o acesso à Felicidade desejada,
Ainda que teus doutos sacerdotes lutem
Em defesa dos deuses que mandam adorar,
Ainda que o conforto dos ricos lhes dê a estagnação,
Ainda que os oprimidos e exploradores estejam a sofrer,
Ainda que o pensador não tenha encontrado a solução final,
Ainda que o sannyasi , renunciando ao mundo, não tenha alcançado a Iluminação,
Ainda que o mendigo, implorando compaixão de casa em casa, não tenha achado agasalho,
Ainda que teus filhos prefiram a escuridão da noite à luz do dia,
E convertam a noite em dia -
Todos estão buscando aquela perene Ventura
Como a árvore desolada sofre e anseia pela primavera e seu alegre verdor,
Assim todos os teus filhos buscam aquela Bem-aventurança.
A dama mundana, apegada a seu luxo e riquezas,
A mulher do rosto pintado,
A donzela leviana,
O homem que nos trajos busca a satisfação,
O bebedor insaciável,
O indivíduo que só se sente bem com alguma ocupação,
Aquele que mata para deleitar-se,
O sacerdote de vestes pomposas,
O homem cingido de simples tanga,
O ator vestido ao gosto dos espectadores,
O artista a lutar por criar,
O poeta a exprimir em palavras a imensidade de seus pensamentos e sonhos,
O músico cuja alma vibra aos sons,
O santo com seu ascetismo,
O pecador, se existe, esquecido de Deus ou do homem,
O burguês, de tudo amedrontado -
Todos almejam a Felicidade.
Eles compram e vendem,
E constroem palácios magníficos,
Cercam-se de toda a beleza
Que o dinheiro pode comprar,
Plantam jardins, para regalo de seus gostos requintados,
Cobrem-se de jóias,
Ora disputam, ora se mostram cordiais,
Bebem sem comedimento,
Comem sem moderação,
Ora rancorosos, ora pacíficos,
Rezam e amaldiçoam,
Amam e odeiam,
Morrem e tornam a nascer,
São cruéis para com o homem e o bruto,
Destroem e criam,
Constroem e destroem -
Mas todos estão buscando a Felicidade,
Felicidade nas coisas transitórias.
A rosa, tão bela e gloriosa,
Está destinada
A morrer amanhã.
Em busca da Felicidade,
Erguem-se soberbas estruturas,
Chamam-nas igrejas
E nelas entram,
Mas a Felicidade lhes foge, tal como nas ruas desadornadas.
Inventam um Deus, para terem satisfação,
Mas, Nele nunca encontram aquilo a que aspiram.
O incenso, as flores, as velas acesas,
As vestes esplêndidas, a música empolgante,
São meros estímulos àquela busca,
A nota profunda do sino distante,
A oração monótona,
Os apelos, prantos e rogos,
São meros tateios no escuro
Em busca daquela Felicidade eterna.
Em busca da felicidade,
Edificam templos frios, gigantescos,
Produtos de muitas mentes,
Trabalho de muitas mãos;
Os cânticos, o fumo da cânfora queimada,
A beleza do lótus sagrado
Não satisfazem seus anseios.
Desejando ser felizes,
Subornam e corrompem, profanam
A Terra, os mares e montanhas.
Suas imagens esculpidas não respondem a seus chamados.
Como a enxurrada se precipita da montanha, tudo devastando em seu caminho,
Assim, num instante, é destruída sua estrutura de felicidade;
Com seu amor ciumento, mutuamente se destroem.
Em busca da Felicidade
Conferem títulos e nomes sonorosos
Uns aos outros
E pensam ter encontrado
A fonte da Eternidade,
Pensam ter resolvido
O problema de seu sofrimento.
Procurando a constante satisfação,
Casam-se e inebriam-se desta nova felicidade;
São felizes como a flor,
Que se abre ao sol,
Para com o sol morrer.
Trocam de amor, para renovar seus deleites.
Transbordam
De êxtase e,
Num instante,
A desdita é o epílogo de sua fugaz alegria.
Como a nuvem pesada, que se fende e esgota
E desaparece dos ares,
Deixando o céu outra vez desnudo,
Assim é seu amor,
Que é rico e forte,
Que cria e destroi.
Seu amor, tão triunfante ao nascer,
Tão ardoroso em seus desejos,
Tão belo em pleno florescer,
Tão irrefreável em seu preenchimento,
Fenece como a folha,
Para renascer e,
Como a folha,
De novo morrer.
Como a árvore tristonha
Que perdeu sua ridente folhagem,
Assim é o homem
Que buscou a Felicidade
No amor.
Na solidão,
E nas ruas apinhadas,
Busca-se a Felicidade.
Todo o mundo clama por ela.
As brisas sussurram,
As procelas rugem ameaças,
Mas o homem procura ser feliz.
Nas coisas passageiras,
Nas coisas transitórias,
Naquilo que podem tocar e ver,
E geme e lamenta a perda de sua felicidade,
Como a criança chora
A boneca quebrada.
Porque sua felicidade, como a tenra folha, murcha e morre.
Investiga suas esperanças,
Seus anseios,
Seus desejos,
Seu egoísmo,
Suas disputas e zangas,
Seus títulos de nobreza,
Suas ambições,
Suas glórias,
Suas recompensas,
Suas distinções -
E encontrarás desilusão,
Vaidade,
Infelicidade.
Observa suas distinções de classes,
Suas distinções espirituais,
Suas limitações,
Sua vulnerabilidade,
Seus preceitos,
Seus afetos -
Encontrarás inconstância de propósitos,
Inconstância de felicidade.
Aonde quer que olhes,
Onde quer que andes,
Em qualquer clima que habites,
Há sofrimento, há dor,
Vácuos impreenchíveis,
Feridas abertas e doloridas,
Descobertas e expostas,
Ou cobertas com a armadura
De festivos folguedos.
Nenhum homem pode dizer:
“Minha felicidade é indestrutível”.
Em toda a parte há declínio e morte,
E a renovação da vida.
Assim são os que buscam a felicidade nas coisas transitórias -
Sua felicidade é coisa momentânea,
Como a borboleta que prova o mel de todas as flores
E, no mesmo dia,
Morre.
Como o deserto que recebe abundantes chuvas
Mas permanece terra desolada e sem sombras,
Assim é sua felicidade.
Como as areias do mar são suas ações
Na busca da Felicidade.
Como a árvore velha e possante,
Sobranceira às outras, ao céu se eleva,
Mas sucumbe aos golpes do machado,
Assim é sua felicidade.
Felicidade buscam
No que é transitório,
Fugidio,
Objetivo,
E não a encontram.
Assim é sua felicidade, que logo se acaba sem satisfazer.
Pode-se cultivar em areia a árvore da Felicidade?
A Felicidade que nunca se gasta,
Que cresce com a ação,
Que aumenta com o sentimento,
Que nasce da Verdade,
Que jamais declina,
Que não conhece nem fim,
Que é livre,
A Felicidade Eterna
Que eles jamais provaram.
Felicidade
Que não conhece solidão,
Que é certeza imensa,
Que é desapego,
Que é amor impessoal
Que é livre de preconceitos,
Que não depende de tradição,
De autoridade,
De superstições,
De nenhuma religião,
A Felicidade não subordinada a outrem,
nenhum sacerdote,
Nenhuma seita,
Que não necessita de títulos,
Que a nenhuma lei está sujeita,
Que não pode ser abalada por nenhum Deus ou homem,
Que é solitária e tudo abarca,
Que sopra das montanhas nevadas,
Que sopra do deserto adusto,
Que arde,
Que cura,
Que destrói,
Que cria,
Que se alegra na solidão e na multidão,
Que preenche a alma para toda a Eternidade,
Que é Deus,
Que é esposa, a mãe,
marido, o pai,
O filho.
Que de nenhuma classe é,
Porém da divina aristocracia,
Que é a suma purificação,
Que é sua própria filosofia,
Vasta como os mares,
Ampla como os céus,
Profunda como o lago,
Tranqüila como o vale silencioso,
Serena como a montanha,
Livre da sombra da morte,
Da limitação do nascer,
Que é a consumação de todos os desejos,
A suma Finalidade,
A fonte de toda existência,
O poço cujas águas nutrem os mundos,
O êxtase, a alegria de nosso ser,
Que dá o divino descontentamento,
Que nasce da Eternidade,
Que é a destruição do ego,
O reservatório da Sabedoria,
Que torna outros felizes,
Que tem domínio sobre todas as coisas -
Porque de outrem recebestes tua nutrição
Ensinado foste pelos lábios de outrem,
Aprendeste a tirar tua força de outrem,
Que tua felicidade depende de outrem,
A sabedoria da boca de outrem,
Que a Verdade só é alcançável através de outrem,
Ensinaram-te a adorar o Deus de outrem,
A prostrar-te ante o altar de outrem,
Disciplinar-te sob a autoridade de outrem,
Moldar-te segundo o modelo de outrem,
Crescer sob a proteção de outrem,
Ouvir com os ouvidos de outrem,
A basear tuas opiniões nas de outrem,
Ouvir com os ouvidos de outrem,
Sentir com o coração de outrem,
Pensar com a mente de outrem.
Nutrido fostes do estímulo das coisas transitórias,
Do alimento que nunca satisfaz,
Do saber que desaparece, da luta.
Nutrido foste pelas mãos dos satisfeitos,
Com o que é falso e efêmero.
Foste nutrido pelas leis, pelos governos, pelas filosofias,
Dirigido, impelido e influenciado,
Abrigado foste na sombra
Que a todo instante muda,
Nutrido de falsa verdades e falsos deuses,
Estimulado por falsos desejos,
Alimentado de falsas ambições,
Sustentado com os frutos da terra,
Ó mundo!
Ensinaram-te a buscar a Verdade no que é passageiro
E te nutriste de coisas transitórias;
Nesta jamais encontrarás a Felicidade
Pela qual tua alma anseia e sofre.
Mas,
Como um mergulhador que desce ao fundo do mar,
Em busca da pérola,
Arriscando a vida pelo gozo transitório,
Deves tu também penetrar fundo em ti mesmo,
Em busca da Eternidade.
Como o audaz alpinista, que escala e conquista os altos cumes,
vertiginosa
De onde todas as coisas são vistas em suas verdadeiras proporções.
Como o lótus que, rompendo o lodo, ao céu se eleva,
Deves tu também arredar todas as coisas transitórias,
Se queres descobrir aquele Reino da Felicidade.
Como a árvore majestosa, cuja força depende de suas raízes
E alegremente enfrenta os vendavais,
Deves tu também assentar profundamente em ti mesmo
Tua força oculta,
Para enfrentar as vicissitudes do mundo.
Como a rápida corrente conhece a sua nascente,
Deves tu também conhecer teu próprio ser.
Como manso lago azul de ignota profundidade,
Deve ser insondável a tua profundeza.
Como o mar encerra uma multidão de seres vivos,
Em ti jazem ocultos segredos de todos os mundos.
Como na encosta da montanha,
Em altitudes várias, diferentes flores crescem,
Assim também em ti existem
Gradações de beleza.
Como a terra em seu seio abriga
Tesouros que o homem jamais viu,
Em ti jazem ocultos ignorados segredos.
Como a imensa e inesgotável força dos ventos,
Em ti reside imensa e inesquecível energia.
Como os cumes das montanhas alegrados ao sol,
Deves tu exultar
Na Luz do conhecimento de ti mesmo.
Como a trilha tortuosa da montanha descortina a cada instante vistas novas,
Assim também em ti há uma revelação constante.
Como a estrela remota a cintilar em noite escura,
É aquele que descobriu a si próprio.
Só em ti se encontra Deus, pois outro Deus não existe,
És o Deus que todas as religiões e nações adoram,
Só em ti há alegria, êxtase, energia e força,
Só em ti existe o poder de crescer, mudar, alterar,
Só em ti se encontram acumuladas as experiências de muitas idades,
Só em ti, a fonte de todas as coisas -
Amor, ódio, ciúme, medo, furor e brandura -
Só em ti se encerra o poder de criar e destruir,
Só em ti, o começo de todo pensamento, sentimento e ação.
Só em ti reside a nobreza,
Só em ti não há solidão.
De todas as coisas és senhor,
De todas as coisas, a fonte.
Só em ti reside o poder de fazer bem e fazer o mal,
Só em ti, o poder de criar o Céu e o Inferno,
Só em ti, o poder de reger o futuro e o presente.
És senhor do Tempo,
Só em ti está o Reino da Felicidade,
Só em ti se encontra a Verdade Eterna,
Só em ti existe a fonte inesgotável do amor.
Ó mundo,
Se queres conhecer todos os segredos,
Os tesouros de muitas idades,
As experiências de muitos séculos,
A força acumulada de muitas gerações,
O pensamento do passado,
Os êxtases e alegrias, as tristezas e dores de passadas eras,
E as grandes e fúteis ações das muitas vidas que para trás deixaste,
Os séculos de incerteza e de dúvida,
Se queres conhecer o futuro imenso,
A jubilosa ascensão a sublimes alturas.
A aventura do bem e do mal,
O produto de todo pensamento, de todos os sentimentos e ações,
Das diversas vidas, passadas e futuras,
Se queres conhecer teus ódios, teus ciúmes,
Tuas agonias, teus prazeres e dores,
Teu amor extático, teu ditoso enlevo,
Tua ardente devoção, teu borbulhante entusiasmo,
Teu eficiente zelo, teu culto doloroso,
Tua incontida adoração,
Se queres conhecer o perdurável,
O eterno, o indestrutível,
A Divindade, a Imortalidade,
A Sabedoria, que é o tesouro do Céu,
Se queres conhecer o eterno Reino da Felicidade,
A Beleza que nunca se desvanece ou declina,
Se queres conhecer a Verdade imperecível e única -
Então ó mundo,
Perscruta tuas próprias profundezas
Com olhos límpidos - se queres perceber todas as coisas.
Como o lago tranqüilo que reflete o céu,
Assim deverão todas as coisas em ti se refletir.
Como a flor que desabrocha à branda luz do sol
Deves tu te abrir, se te queres conhecer.
Como a águia aos ares se alça incontida e livre,
Deves tu ascender, se te queres conhecer.
Como o rio desce alegre para o mar,
Deves tu alegrar-te, se te queres conhecer.
À montanha forte e pujante
Deves igualar-te, se te queres conhecer.
Como a gema que cintila ao sol,
Deves tu cintilar, se te queres conhecer.
Como a mãe que o filho aconchega com terna afeição,
Assim deves ser, se te queres conhecer.
Como os ventos são livres, e nada os entrava,
Assim deves ser, se te queres conhecer.
Se de todas as coisas queres provar,
Ó mundo,
E comigo entrar no Reino da Felicidade,
Livra-te deste veneno que corrompe a Verdade -
O preconceito.
Porque és imenso em teus preconceitos,
Tanto velhos como novos.
Livra-te da estreiteza de tuas tradições,
Convenções, hábitos, sentimentos e pensamentos,
Da estreiteza de tua religião, de teu culto e adoração,
De teu nacionalismo,
De teu lar e teu sentimento de posse,
De teu amor, de tua amizade,
De teu Deus e da maneira de o venerares,
De tua concepção da beleza,
De tuas ocupações e deveres,
De teus feitos e glórias;
Da estreiteza de tuas recompensas e punições,
De teus desejos, ambições e fins,
De teus anseios e satisfações,
De teus contentamentos e descontentamentos,
De tuas lutas e vitórias,
Da tua ignorância e de teu saber,
De tuas doutrinas e leis,
De tuas idéias e opiniões -
De tudo isso - livra-te!
O preconceito é como a sombra
No flanco da montanha,
Como a nuvem negra
No céu límpido,
Como a rosa que murchou
E já não deleita o mundo,
Como a praga que destrói
A seiva que amadurece o fruto.
Como a ave que se perdeu
O vigor de suas asas,
Como o homem que não tem ouvidos
E é surdo para a música melodiosa,
Como o homem que não tem olhos
E é cego para o esplendor do crepúsculo,
Como as sensações deleitosas
Para o homem sem vigor.
O preconceito é como o lago agitado,
Que não reflete a beleza do céu,
Como a rocha nua da montanha,
Como a terra árida de uma região sem sombras,
Como o leito seco do rio,
Há muitos verões privado do frescor das águas,
Como a árvore
Que perdeu a felicidade de seu verdor,
Como a mulher estéril,
Como o sopro do inverno
Que mirra todas as coisas,
Como a sombra da morte
Sobre uma fértil região.
O preconceito é mau,
Corruptor do mundo,
Destruidor do belo,
Raiz de todas as desditas,
Medra na ignorância,
É um estado de total escuridão, impenetrável à luz.
É abominação,
Pecado contra a Verdade.
Se te queres conhecer,
Livra-te dessa erva daninha que te enleia,
Te sufoca,
Te destrói a visão,
Te mata a afeição,
Te tolhe o pensamento.
Quando livre fores, sem peias,
Teu corpo bem controlado, sem tensão nenhuma,
Teus olhos capazes de todas as coisas perceber em sua pura nudez,
Teu coração sereno e rico de afeição,
Tua mente bem equilibrada,
Então, ó mundo,
Os portões daquele Jardim,
Do Reino da Felicidade,
Estarão abertos.

-V -
Desde o começo dos tempos,
Desde a origens da Terra,
Eu conhecia
O Destino de todas as coisas.
Como o impetuoso rio conhece
Desde sua nascente,
O alvo de sua longa jornada,
Ainda que percorra muitas terras,
Assim também eu conhecia
A meta.
Como na estação do Inverno
A árvore nua conhece
As alegrias da vindoura Primavera,
Assim também eu conhecia
A meta.
Longamente peregrinei
Através de muitas vidas,
Por muitas terras,
Entre muitos povos,
Em busca daquela meta
Que eu conhecia.
Como as águas estagnadas
Se purificam
Com a vinda das chuvas,
Assim também eu ficara
Inerte
Até que a tormenta das lágrimas
Me veio purificar.
Carreguei o pesado fardo
De muitas posses,
Das riquezas do mundo,
Dos confortos que fazem a estagnação.
Regalei-me
Das delícias da abundância,
Até que a tormenta das lágrimas
Lavou-me o orgulho da riqueza.
E como as terras do deserto,
Sem sombras,
Assim se tornou minha vida.
me ante os altares
Dos santuários que encontrei à margem da estrada;
Seus Deuses me recusaram
A meta que eu conhecia.
Seus sacerdotes me cativaram
Com a magia de suas palavras,
A embriaguez de seu incenso.
Abrigado nas sombras, entre as paredes do templo,
Na treva permaneci,
A implorar aquela meta
Que eu conhecia.
E, então, de novo,
O turbilhão da dor
Jogou-me para a estrada.
Criei filosofias e credos,
Complicadas teorias da vida,
Estranhei-me
Das criações intelectuais do homem,
Com elas me engrandeci em arrogância.
E, tão súbito
Como a tempestade desaba,
Vi-me nu,
Esmagado pela agonia
Das coisas transitórias.
Grande era o meu amor,
Grande a satisfação que me dava,
Eu cantava,
Eu dançava,
No êxtase de meu amor,
Mas, assim como a tenra rosa
Emurchece
Em pleno verão,
Assim meu amor mirrou
Em pleno folguedo.
Fiquei vazio como o amplo céu,
Implorando a meta
Que eu conhecia.
A tudo renunciando,
Nu como estava,
Retirei-me do mundo dos prazeres,
Para a solidão.
À sombra das grandes árvores,
No recolhimento do vale silencioso,
Busquei a meta
Que minha alma implorava,
A meta que eu conhecera
Através dos tempos.
Como a flor dorme de noite,
Reservando sua glória
Para as alegrias da manhã,
Assim, reunindo minhas forças,
Penetrei fundo
Nos arcanos de meu coração,
Para fruir as alegrias do descobrimento.
E como o homem que a luz mostra
No fim de extenso túnel,
Assim eu divisei
O alvo de minha busca,
A meta que eu conhecia.
Como o construtor dispõe
Tijolo sobre tijolo,
Para o edifício de seus sonhos,
Assim, desde a antigüidade,
Desde as origens da Terra,
Eu reuni
Os resíduos da experiência
De vidas sucessivas,
Para a consumação
Dos anelos de meu coração.
Olha!
Minha casa está pronta e bem abastecida,
E agora sou livre
Para iniciar a viagem.
Como o rio potente conhece
Desde sua nascente
A meta de sua longa jornada,
Eu também conhecia
A meta.
Assim como em tempo de Inverno
A árvore desnuda
Conhece as alegrias da vindoura Primavera,
Eu também conhecia
A meta.
Desde a mais remota antigüidade,
Desde as origens da Terra,
Eu conhecia
A meta final de todas as coisas.
Olha!
É chegada a hora,
A hora que eu aguardava,
Liberto estou
Da vida e da morte.
Tristeza e prazer já me não visitam,
Liberto estou do apego na afeição,
Emancipado do mito dos Deuses.
Como o luar claro e sereno
Da estação das colheitas,
Assim sou
Na minha Libertação.
Simples como a tenra folha -
Pois em mim tenho guardados
Muitos Invernos e muitas Primaveras.
Como a gota de orvalho é filha do mar,
Assim também nasci
No oceano da Libertação.
Como o rio misterioso
Que no largo mar se lança,
Adentro me lancei
No mundo da Libertação:
A meta que eu conhecia.

2 comentários:

  1. Há muito buscava ler novamente este texto do Krishnamurti! Aprovfeito para convidar você a conhecer meu blog com fotografias e textos:
    http://reginaserapiao.blogspot.com/

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